Durante os últimos anos o acesso à informação via internet trouxe um grande empoderamento aos pacientes. Nunca foi tão fácil obter dados sobre todo tipo de diagnóstico de maneira muito rápida. Mas você sabe em quem confiar?
Durante minha graduação em medicina (1999-2004) já existia a preocupação de nos munir de ferramentas que nos permitissem avaliar as diferentes fontes de informação, desde sites na internet (que começavam a se expandir naquela época) até os estudos clínicos tradicionais. E hoje ter esse olhar crítico é ainda mais urgente, não só para médicos como para a população que acessa e é induzida a consumir todo o tipo de modismo em saúde. E quando falamos em alguns grupos mais vulneráveis, como pacientes com diagnóstico de câncer, esse debate se torna ainda mais relevante. O medo e ansiedade gerado por receber essa notícia os leva a buscar as mais diversas terapias, na grande maioria das vezes sem informar à equipe que está conduzindo seu tratamento. Como consequência podem ocorrer o abandono/não adesão ao tratamento convencional, interações medicamentosas que reduzem a eficácia da quimioterapia ou até mesmo potencializam seus efeitos colaterais. Mas, mesmo em se tratando de terapias ditas "sem tem efeitos colaterais” documentados, se não tiverem eficácia comprovada, podem levar o paciente a gastar um recurso financeiro muitas vezes já limitado nessa condição social, por ele acreditar que isso pode lhe trazer a cura.
Portanto é importante ter muito discernimento ao consultar o “Dr Google”. Mesmo ao ler artigos científicos publicados e revisados, os médicos precisam entender a qualidade de informação que aquele estudo traz e se é aplicável na prática clínica. Quando se trata de publicações em sites da internet, há sempre a possibilidade de o assunto ser abordado de forma tendenciosa e sem precisão.
O que eu devo observar ao ler os conteúdos publicados na internet então?
Esse passo a passo que destaco a seguir, foi adaptado de uma publicação da Society for Integrative Oncology¹ para pacientes oncológicos, mas é um raciocínio que pode ser ampliado para outras condições de saúde também, confira:
· Questione a fonte de informação: qual a formação do autor? Se os dados sobre a formação forem superficiais ou ausentes considere como sinal de alerta. Que conflitos de interesse podem estar em jogo? Em particular, se o artigo for escrito como uma preparação para a venda de um determinado produto, é natural que o autor seja tendencioso na seleção de informações ou informações incorretas que apoiem o uso desse produto. Estes são basicamente argumentos de vendas, então aborde-os como tal!
· Considere a política editorial do site. Os sites que fornecem informações médicas ou de saúde para fins gerais devem ter um Conselho Editorial Médico e uma política editorial escrita. O site é mantido por uma organização de saúde respeitável ou revisado por médicos certificados ou outros profissionais de saúde? Lembre-se de que ninguém regulamenta as informações na internet e qualquer pessoa pode criar um site e reivindicar qualquer coisa.
· Verifique o nível de evidência por trás das alegações: na medicina, temos muitos níveis de evidência para apoiar se uma intervenção é ou não justificada ou válida para uma determinada condição. O padrão-ouro é um ensaio clínico prospectivo randomizado e controlado que demonstra maior eficácia em comparação com um tratamento “padrão de tratamento” atual. As intervenções baseadas no acúmulo deste alto nível de evidência são chamadas de “medicina baseada em evidências”. Não há evidências de alta qualidade disponíveis para todas as terapias que as pessoas desejam experimentar. Os médicos podem usar outros tipos de estudos para tomar decisões, mas sempre com muito critério.
· Cuidado com as teorias polarizadas e simplistas sobre o câncer/doenças em geral. Por exemplo, é da natureza humana desejar uma explicação simplista sobre o câncer e dos melhores tratamentos disponíveis para o mesmo, e encontrar alternativas para alguns dos tratamentos mais tóxicos, como a quimioterapia. Mas se um autor estiver fazendo declarações generalizadas como “Os produtos químicos naturais são bons, os produtos químicos sintéticos são ruins” ou “Os profissionais de saúde fazem parte de uma conspiração para esconder a cura dos pacientes”, então esteja ciente de que tais declarações são muitas vezes narrativas simplistas demais. Existem inúmeros tipos de câncer, cada um deles com uma biologia diferente e complexa. A escolha de cada protocolo de tratamento quimioterápico ou droga-alvo é baseada nessa complexidade e nas características individuais de cada paciente. Considere também que, se alguém sem uma formação consistente está divulgando teorias de que a medicina ocidental é uma conspiração que não se preocupa com o seu bem-estar, está usando uma tática para conquistar um público através do medo.
· Fique atento aos erros de interpretação, como confundir correlação com causalidade, por exemplo: só porque alguém teve remissão de uma doença depois de tomar um suplemento/medicamento, não significa que ele foi a causa dessa remissão. Algumas doenças e tipos de câncer podem ter trajetórias muito benignas (ou seja, parte da sua história natural pode ser uma melhora espontânea ao longo do tempo). Além disso, muitos outros tratamentos podem ter sido administrados ao mesmo tempo e podem ser mais provavelmente a razão da melhora. É muito comum ver textos na internet que incluem a citação de um estudo que mostrou que um determinado suplemento pode matar uma linhagem de células cancerígenas em um tubo de ensaio e, em seguida, concluir que é eficaz para o “câncer” em geral ou para todos os tipos de câncer. Os estudos laboratoriais muitas vezes não se traduzem em resultados reais, mas são importantes para estabelecer as bases científicas que justificam um ensaio clínico em humanos. A extrapolação excessiva é um erro comum observado em fóruns on-line, onde o caso de sucesso de um indivíduo leva a uma generalização excessiva de que todos deveriam seguir o mesmo caminho.
· O material escrito para profissionais de saúde pode ser muito confuso e assustar quem não é da área. Sempre tire suas dúvidas com sua equipe médica.
Ter informações de qualidade sobre suas questões de saúde é muito importante, você não deve ser passivo quanto às decisões sobre seu cuidado, pois a experiência da doença é sua. Mas obtenha essas informações com cautela e não hesite em compartilhar com seu médico e equipe de saúde suas dúvidas, preocupações, expectativas e desejos, para que juntos possam traçar a melhor estratégia de tratamento.
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